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Por uma arqui-ruptura

Simone de Mello23 de setembro de 2003

Museu Judaico de Berlim mostra retrospectiva da obra do arquiteto Daniel Libeskind, marcando a passagem de treze anos do americano de origem polonesa pela capital alemã.

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Daniel Libeskind em BerlimFoto: AP

Desde 1990, logo depois de vencer o concurso para a construção do Museu Judaico de Berlim, Daniel Libeskind teve seu escritório na capital alemã. Este ano, o arquiteto retornou a Nova York, onde seu projeto para o ground zero começará a ser construído em breve.

Para se despedir daquele que marcou a nova identidade urbana de Berlim, o Museu Judaico – primeira grande obra do arquiteto, o polêmico edifício já foi visitado por milhares de pessoas desde sua inauguração oficial, em 2001 – mostra até meados de dezembro a abrangente exposição "Contraponto – A Arquitetura de Daniel Libeskind".

Construir sobre ruínas

Libeskind não gosta de rótulos. Rejeita o epíteto de arquiteto deconstrutivista, autodenominando-se um tradicionalista. E revida a apreciação de sua obra como arquitetura de catástrofes. Fato é que parece ter encontrado seu nicho na reelaboração arquitetônica e urbanística de espaços marcados por rupturas históricas.

Além da reconfiguração da área do World Trade Center (2003) e da concepção do museu berlinense dedicado à trajetória histórica dos judeus na Alemanha (2001), ele projetou o Museu Imperial da Guerra (2001), em Manchester, e a Casa Felix Nussbaum (1998), em Osnabrück, dedicada ao pintor judeu assassinado em Auschwitz.

Isso, sem falar de projetos não construídos, como a reurbanização da Potsdamer Platz – a praça mais importante da Berlim do pré-guerra, rasgada pelo Muro durante a reunificação – e do projeto de reaproveitamento do antigo acampamento das tropas da SS no campo de concentração de Sachsenhausen.

Daniel Libeskind Ausstellung in Berlin mit Modell
Maquete do projeto de Libeskind para o ground zeroFoto: AP

A única constante da história é a ruptura, lembra Libeskind, uma frase que também se aplicaria à sua trajetória pessoal. Para o judeu polonês nascido em 1946, a diáspora é constante biográfica, história vivida. Nascido após o holocausto e confrontado com o anti-semitismo durante sua infância na Polônia, Libeskind emigra com a família aos 11 anos para Israel, transferindo-se definitivamente para Nova York três anos depois.

Após ter aprendido três línguas na infância – o polonês, o hebraico e o inglês –, é na música que ele inicia sua trajetória artística, uma linguagem que norteia seu trabalho até hoje. Após obter uma formação musical, em Israel e nos EUA, Libeskind estuda arquitetura na Cooper Union School de Nova York, com John Hejduk, Richard Meier e Peter Eisenman, formando-se em 1970. Tendo trabalhado como docente em diversas universidades do mundo até o fim da década de 80, seu primeiro projeto construído viria a ser o Museu Judaico de Berlim, em 1989 – a primeira de uma série de obras de impacto internacional.

Entre programação e afeto

Para o artista que contribuiu – ao lado de Peter Gehry, Peter Eisenman, Bernhard Tschumi – para o estabelecimento de um arquitetura deconstrutivista, a ruptura não é apenas tema, mas – sobretudo – eixo formal de seu trabalho. Imagens desintegradas são mote de diversos projetos seus: a estrela de Davi demontada, no Museu Judaico de Berlim; os destroços do globo terrestre, no Museu na Guerra de Manchester; o quebra-cabeça de dez peças no projeto de reurbanização da Potsdamer Platz ("dez relâmpagos de absoluta ausência").

A incorporação do vazio, da ausência, de áreas intransitáveis como parte do edifício (os "voids" do Museu Judaico ou o oco contornado pelos novos edifícios do ground zero) e a ruptura da continuidade espacial, com ângulos, recortes e deslocamentos inusitados são alguns dos traços que caracterizam sua vertente deconstrutivista, remetendo ao mesmo tempo aos projetos utópicos da vanguarda moderna, sobretudo expressionista.

Por um lado, a arquitetura de Daniel Libeskind é gerada pela dinâmica própria de certas matrizes formais, algo que fica bastante nítido em seu primeiro projeto londrino, o anexo do Victoria and Albert Museum (previsto para 2005): uma espiral projetada com base em estruturas fractais, entre o cálculo e o acaso.

Por outro lado, o elemento mais calculado de sua obra é o impacto emocional dos espaços: seus edifícios conseguem privar o visitante de seu senso de orientação e de uma ordem espacial pré-concebida, abrindo brechas para a memória e suas associações. Apesar de partir de concepções altamente abstratas, os projetos de Libeskind são bastante acessíveis por concretizarem – de forma muitas vezes até literal – suas obsessivas imagens. Com certeza uma chave do alcance e da popularidade de sua arquitetura.